Os nem sempre verdes pastos do lugar - por Fernando Jacques - JAX

Os nem sempre verdes pastos do lugar - por Fernando Jacques - JAX

Os nem sempre verdes pastos do lugar

 

            Do sítio de Chiquinha, avistava-se um morro ligeiramente alto e arredondado ao longe, no limite do horizonte, do lado de Minas. Em seu topo, a cerca viva de bambus gigantes lembrava uma coroa, reinando sobre o pasto que se estendia ao sopé como imenso tapete verde. Limpo, bem cuidado, mais parecia obra de jardineiro de grande zelo. Ali, o gado devia pastar com gosto. Só  jaraguá do bom e uma ou outra moita de capim gordura, igualmente apreciado pelos zebus. O dono da propriedade, cunhado de Chiquinha, não deixava um pé de dormideira prá contar história. Vistoriava seus domínios rigorosamente e nada de pouca prestança via o sol nascer duas vezes. Por isso o pasto dava aquela impressão boa a quem o via.

            Já no pasto do sítio da tia Chiquinha, a coisa é diferente. O capim disputa a terra com os pés de fedegoso, dormideira e amor-do-campo. Isso sem falar nos arranha-gatos que infestam a beira do rio. Verdade seja dita, nenhuma dessas pragas parece incomodar os peões que caminham descalços no meio do mato. Pé de peão está mais que curtido pela refrega constante contra o chão que pisa. Não carece de proteção, a não de ser de uma boa reza contra picada de cobra. Espinho de dormideira pode estrepar o pé do caboclo, mas também sai estrepado. Que aquilo é solado grosso, resistente, sem medo, pronto pro que der e vier.

            Quem sofre com o pasto mal cuidado são os turistas da cidade grande, como Tiago. Tocam a andar com dificuldade em meio àquela maçaroca agressiva e doida prá se vingar da pouca confiança que lhe dão os peões do lugar. É galho seco que se enrosca no pé, é pedrinha que levanta do chão e penetra na bota, é tropeço e safanão sem fim. Inda por cima, tem-se a trabalheira de desgrudar os milhares de carrapichos, picões e outros matos atrevidos que se agarram às calças e meias dos caminhantes citadinos.

            Nem adianta reclamar com os primos Pedro e Zé Magrão. O primeiro ainda se mostra sensível à reclamação, mas não se mexe para resolver o caso. Já o caçula da tia Chiquinha retruca, sem pestanejar, que pouco lhe importa se o pasto do tio, do outro lado do rio Pirapetinga, parece mais bonito e bem cuidado. Do alto dos seus 1,90 m, afirma com convicção: “Chega julho, aquele pasto bonito fica todo pelado. O gado não tem o que comer!” Nem paga a pena replicar que, se isso acontece lá, também vai acontecer do lado de cá e que não é essa cambada de erva ruim que vai evitar o pasto esturricado pela seca do inverno. Falta de gente, finança apertada, coisa mais importante do que pasto limpo, desculpas não faltam quando não se quer fazer algo.

            O jeito é Tiago acostumar-se ao desconforto das caminhadas, aos maus tratos da vegetação inóspita. Com o passar do tempo, o menino só não se acostuma a ver seu propalado império cada vez mais largado, mais pobre, mais triste em sua aparência, fadado a converter-se em terreno quase baldio da cidade próxima. O tamarindeiro, o cajueiro, o pé de coité, a mangueira frondosa na frente do engenho, goiabeiras e outras árvores que conheceu foram minguando e sumindo da história do sítio. De mata, então, nem é bom falar. Poucas capoeiras restam, mais mortas do que vivas, aumentando o ar de abandono. A bicharada de pelo já não se via há muito e a passarada não tardaria em seguir o mesmo caminho.  Como dizia um dos peões, custoso de ver nhambu, peba ou outro bicho antes comum por ali. Até mesmo as seriemas começam a rarear. Não demora muito e caburé, socó, bacurau e galo-do-campo só vão ficar na lembrança dos mais velhos.

 

Trecho do conto “Ibitinema” (Ibitinema e Outras Histórias, 2016, ed. Lamparina Luminosa, S. Bernardo do Campo, SP)

 

 

 

 

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