Ele não pode ser normal - por Patrícia Dantas

Imagem: Cena do filme "Paris Te Amo"

 

Normalidade e desvio parece que se conjugam na substância do desejo que não se repreende. Tenho um amigo que é assim: deixa-se perceber, é complexo, insubordinável, não se enquadra ou se encaixa em padrões, revira as pessoas pelo avesso, um misto de inteligência e despudor, um roda-viva. Ele não pode ser normal, tem um certo borogodó que desconhece.

Ele se indaga, inquieto, e me interroga em seguida: “O que você pensa sobre mim? Como me vê? Não demore a responder, tem alguma coisa errada comigo!”. Fico quase suspensa no ar, procurando fôlego, driblando a situação, porque tudo isso me fez lembrar a mesma canção de Chico Buarque, Roda Viva “Tem dias que a gente se sente/ Como quem partiu ou morreu/ Ou foi o mundo então que cresceu/ A gente quer ter voz ativa/ No nosso destino mandar/ Mas eis que chega a roda-viva/ E carrega o destino pra lá” - e mais à frente - “Roda mundo, roda-gigante/ Rodamoinho, roda pião/ O tempo rodou num instante/ Nas voltas do meu coração”. Será que só assim para definir toda a sua inquietação? Já é um bom começo para lhe dar algumas palavras!

Tudo isso me fez lembrar De perto ninguém é normal, livro de uma das maiores antropólogas atuais do Brasil, Mirian Goldenberg, também escritora já consagrada por trazer temas polêmicos como infidelidade, concordâncias e discordâncias de gênero, desejos do corpo, homens e mulheres que compartilham a vida com gostos e dissabores do envelhecimento, casamentos não aceitos e corpos que se distraem e se modificam como num piscar de olhos. O que muitas pessoas não entendem, e também acho que não entenderiam meu amigo, ainda que busquem ou se proponham a entender, não compreenderiam sua essência tão conturbada, a coisa encenada e verdadeira.

Pois bem. Enquanto segurava outro livro (que não vou falar aqui sobre ele) e abria suas páginas iniciais, buscando um resumo para escrever “uma série de inconstâncias” - claro, de homens e mulheres e outros gêneros complementares e tão conhecidos em nossa sociedade – veio logo uma enxurrada de perguntas como flechas perdidas. O que poderia eu responder? Não saberia! Talvez ele também não esperasse alguma divagação ou coisa parecida, eu estava completamente sem palavras.

Aprendi uma coisa: com meu relativo tempo de vivência e convivências múltiplas sempre que sou indagada sobre a personalidade de alguém, logo subo no palco em busca de uma crônica, como se estivesse dando formas a mim mesma. Paro alguns segundos em frente ao espelho e começo a juntar o que aparentemente está perdido, num arrebatamento assustador. Preciso de mais tempo para responder, não sou Mirian Goldenberg, que mais parece ter a palavra certa para tudo, em qualquer momento.

Fico pensando se a sensação de vazio que aperta o coração do meu amigo não é um desvio: de amor. Ele me falou algumas vezes sobre um amor interrompido bem no meio do caminho - nem me arrisco a puxar tanto o assunto por medo de armar um divã para nós dois – e de tantas idas, vindas e fugidas o amor se perdeu, não se sabe se ao fim do caminho ou mais detalhes da estrada. Daria uma bela novela das oito!

Ele escreve, ah! e como escreve, adora querer desvendar o universo sensações: suas e alheias. Infidelidades cruas, amores desmedidos, desamores obstinados, paixões inquietas, egos insaciáveis, arrebatamentos da alma, saudades nas noites frias, crimes psicológicos planejados, psicoses diárias, cotidianos banais, excessos de qualquer coisa, dores, muitas dores, seja lá o que for. Será que o caso dele esteve na trama de toda essa conversa? Também não dá para saber, porque não sabemos muito da sua vida.

Patrícia Dantas – pathdantas2012@gmail.com

Blog: https://patriciadantas01.blogspot.com.br/

 

Publicado em 18/02/2014

 

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