Brincando com os pés - por Anchieta Antunes

Brincando com os pés - por Anchieta Antunes

A barriga proeminente é prenuncio de felicidade, de alegria, entusiasmo, de caretas e palhaçadas.

            –Quanto tempo falta para nascer? Pergunta a avó  com arrebatamento.

            –Quarenta e cinco dias, mamãe! Tenha paciência!

            –Tudo isto? Não vejo a hora de tê-la em meus braços. Como é mesmo o nome dela, que esqueci?

            –É Lucia, mamãe. Lucia, não esqueça, já é décima vez que digo. Está tão ansiosa para ver a neta e não lembra o nome! Que coisa, vovó!

            –Agora não esqueço mais, prometo...

            Quarenta e cinco dias depois chega o momento tão esperado pelos pais de primeira viagem. Muita coisa vai acontecer em poucas horas. A casa está um pandemônio; não que esteja desarrumada, pelo contrario, está brilhando de limpa, ordenada, com tudo no lugar. O quarto do bebe é um brinco, mais enfeitado que lapinha. Bonecos e bonecas, móbiles de todos os tipos e até mesmo um pandeiro.

            –Andrea, minha filha vai ser dançarina de frevo? Pergunta o pai, estranhando o pandeiro no quarto da filha.

            –Como é que vou saber Augusto! Responde Andreia sem entender a pergunta.

            –E por que tem um pandeiro no quartinho dela? (Tudo de bebe se diz usando o diminutivo. Quartinho, roupinha, sapatinho, mãozinha e outros “inhos”)

            –Ah! Foi a mamãe que trouxe e fez questão de colocar num lugar bem visível. Coisas de avó, não liga não.

            –Tá bom! Tá bom! Tua mãe tá caducando.

            –E você também!

            Na maternidade toda a família se espreme na diminuta sala de espera. Todos falando ao mesmo tempo. Uma algazarra ensurdecedora.

            Chega a enfermeira chefe, com cara de Miura e grita:

– Silêncio, por favor, vocês estão em uma maternidade. Olhem as placas pedindo silêncio.

            Nas paredes aquelas conhecidas imagens de uma enfermeira com o indicador sobre os lábios pedindo silêncio. Num momento destes ninguém olha para paredes e muito menos dá a mínima para letreiros.

–Que se dane, quero é ver minha priminha – e eu quero ver minha sobrinha tão querida e tão linda.

Ela nem nasceu ainda, como é que você sabe que ela é linda? _Claro que é! É minha sobrinha!

–E você por acaso é linda?

–Pelo menos é o que todos dizem, não fique com inveja, meu jovem!

–Eu, com inveja? Pois sim! Você não sabe de nada...

            Finalmente o anuncio tão esperado:

–Podem ir ver a neném pelo vidro do berçário.

            A correria desabalada quase atropela a vovó e sua bengala.

            –Ah! Que linda, que fofinha, olha as mãozinhas dela! E as bochechas? Ah! Meu Deus! Que bonequinha maravilhosa! A esta altura o pai está em prantos, deslumbrado; não tem lenço que absorva tanto muco, tantas lágrimas. A mãe, coitada! Lá na cama sentindo ainda as ultima dores do parto natural. É claro que já a beijou e a acalentou sobre os seios. Foi muito rápido, mas valeu.

            Augusto alugou uma sala só para receber os parentes e amigos e uma tonelada de brinquedos; roupas então, nem fale.

–Andreia, não vamos precisar comprar roupas até ela completar dez anos.

–Augusto, esqueceu que ela vai crescer? Ah” é...e onde vamos guardar tanta coisa? –Dá-se jeito, dá-se um jeito, não se preocupe.

            Dois ou três dias depois, “lar, doce lar”!

–Silencio que a bebê está dormindo Zefinha. A família está completa: pai, mãe e filha e um monte de novas regras de comportamento em casa. _Não faz mal, ela merece. Merece isto e muito mais.

            Depois de uma gostosa mamadeira, um belo banho morno, talco e creme para assaduras.

–Agora minha filha, vamos para a sala receber as visitas. Seus avós, sua tia e primos. Seu pai está explodindo de orgulho da filhinha, também!...

            A avó vai logo pedindo para tirar o sapatinho.

–Quero ver os pezinhos dela. Ah! Que coisa linda! Parece um doce!

–Mãe, pé nunca pode parecer um doce. Pé é pé.

            –Tão fofinho, tão gordinho e cheirando a loção, dá vontade de morder.

            –Mãe, cuidado com a dentadura. Não vai deixar cair.

            –Que observação de mau gosto, minha filha! Comporte-se...

            Pés de crianças são realmente muito lindos, gordinhos, rechonchudos e dá mesmo vontade de morder. É como uma fruta amadurecida no pé, parece supinamente saborosa. A pele não parece pele, e sim como um  véu, um manto de seda transparente, delicado e sensível.

            Os pés, se  temos sorte, nos acompanham por toda a vida. Nos levam, e nos trazem, nos ajudam a subir e descer, fazer longas caminhadas e até participar de maratonas. Tudo isto quando estamos calçados. Em casa o melhor é deixa-los respirar ar puro, descansar em cima de um “pufe” ou mesmo na cama. E o que me dizem de um “lava pé”? Não é uma maravilha? E quando as mulheres saem da pedicura? Parecem que estão maquiados, pintados, cheios de cremes contra fungos e outros invasores noturnos.

            –Parece até que vai pra festa...

            –E vou mesmo, com meu marido.

            –Mas ninguém vai olhar para seus pés! Imagino que você vai calçada, não?

            –Vou com sandálias de tiras e vou dançar a noite toda. Todo mundo vai ficar olhando para meus pés.

            É assim mesmo, a vaidade acima de tudo. Quando vou dançar com minha mulher ela tem que ir “fazer” os pés. É praxe. É festa. É manicura.

            Tenho a impressão que todos os homens e mulheres de todo o planeta, quando estão descalços, gostam de ficar brincando com os pés. Ficamos enroscando os dedos, balançando os pés para um lado e outro, e alguns cutucando as unhas e os dedos, tirando as crecas.  Algumas mulheres (as mais brutas) dizem:

–Se eu soubesse que você não ia querer nada comigo hoje, “nun tinha nem lavado os pé”

            Pode não ser muito da alta sociedade, neste caso incluindo a inglesa, mas que é bom brincar com os pés, isso é. Todo dia vejo minha mulher refestelada em sua poltrona, com as pernas sobre um banquinho e balançando os pés. Tenho a impressão que ela só consegue trabalhar com seu “tablet” se estiver balançando os pés, e mexendo os dedos. Vejo como se fosse um ritual de iniciação, a oração obrigatória antes de  entrar no mundo virtual, navegando por espaços etéreos. Cada movimento de dedos equivale a um ponto ganho.

            Sabe o que é ruim: uma topada com o dedão, o dedo gordo, daquelas que racha a cabeça do dedo e levanta a unha. Ah meu Deus do céu, isto é o fim. Uma hora chorando e o medão de ir para o ambulatório!

–Dr. vai anestesiar, não é?

–Claro, você não vai sentir nada, fique tranquila, sei o que estou fazendo.

E depois, quando o efeito da anestesia passar: haja dor, dor por dois ou três dias.

–Eu não mereço, sou tão boazinha, por que Papai do Céu foi fazer uma coisa destas comigo?

            Papai do céu não tem nada a ver com isso. Ele lhe deu inteligência para discernir. Use o seu alvedrio.  Por que não prestou atenção por onde andava? Por que não protegeu os pés antes de sua caminhada. Um tênis resolve o caso. Quando vejo em paraolimpíadas aqueles caras correndo com duas molas estendidas no lugar dos pés, digo pra mim: só o homem é capaz de uma façanha desta. É extraordinário, fantástico.

            Está quase na hora de dormir, por isto vou aproveitar para brincar um pouco com meus pés e dedos.

            Feliz brincadeira para vocês.

 

Anchieta Antunes.

           

 

            

 

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