Biné - por Antonio Eustáquio Marciano

Biné - por Antonio Eustáquio Marciano

Biné

Hoje, como faço quase todo sábado, fui almoçar na lanchonete que fica próxima à minha casa. A carne assada e a guariroba de lá, para comer com o arroz sempre soltinho e feijão tropeiro, sempre muito me atraem. Uma coisa me contraria lá: não tem uma cachacinha para se tomar antes de comer. Mas eu tomo um dedinho antes de sair de casa. Vou a pé. O dono é meu amigo. Toca o estabelecimento junto com a esposa e alguns empregados. Gente muito bacana, eles conseguem fazer a gente se sentir em casa. Gosto de me sentar numa mesinha do canto, de frente pra rua, de onde posso ver, além dos transeuntes, também todos os que estão comendo naquele momento. Uns estão só, como eu, outros com amigos ou familiares. Fico a imaginar a vida de cada um deles como será. Eu estava fazendo este exercício quando vi, numa mesa mais distante, o Biné. Acho que ele não se lembraria de mim se me visse. Ele era bem mais velho do que eu e havia alguns anos que não nos falávamos. Mas eu o reconheci prontamente. O Biné nunca mudava. Devia ter mais de setenta anos. Até o seu figurino continuava o mesmo. Ele usava sempre calcas de tecido fino. Agora estava usando calça de poliéster cinza, camiseta de malha com listras horizontais azul e bege. Sapatos pretos e meias azuis. Acho que não combina, mas sou péssimo nisto. Os cabelos ralos haviam levado um pouco de brilhantina. Comecei a relembrar os tempos em que conheci o Biné. Eu o conheci através de sua família. Falavam-me dele, mas não queriam nem saber do Biné. Foi me pintado como o pior dos seres humanos. Disseram-me que ele batia na esposa e nos filhos, era violento com vizinhos. Mulherengo, chegava em casa de madrugada vindo da casa das mulheres de má fama. Tanta propaganda negativa me fez tomar raiva do infeliz, que havia sido expulso de casa pelos familiares. Ele agora tinha um bar onde vendia salgadinhos, cachaça, vinho barato, fazia jogo do bicho e tinha uma mesa de sinuca. Mas eu nem passava perto pois, afinal, Biné era péssimo exemplo pra quem quer que seja. Certo dia eu estava na casa de um vizinho e ouvi a voz do Biné. Saí dali logo pois só de ouvir sua voz senti ojeriza por causa de tantas informações negativas que eu tinha dele. Ele percebeu o meu desprezo, mas não falou nada. Depois deste dia, não me lembro de encontrá-lo por alguns anos. Até que um dia eu precisei entrar no seu bar. Diz o poeta que “Deus é um cara gozador, adora brincadeira...”. Ele me fez, um dia, precisar entrar no bar do Biné. Me atendeu pronta e educadamente, insistiu em conversar. Quando dei por mim estava jogando sinuca com ele. Ganhei duas partidas. Estava me sentindo um dos maiorais da sinuca, afinal o meu adversário era um experiente dono de bar. Só que, a partir da terceira, adeus. Fui perdendo até desistir. Mas o Biné me ganhou. Ficamos amigos. Comecei a perceber que os defeitos dele eram defeitos que a maioria dos homens tem. Depois daquele dia eu passei a frequentar seu bar, tomar uma cachacinha, jogar sinuca. Claro que eu tinha que dar sorte pois Biné costumava fechar o bar em pleno dia e sair. Ele tomava banho, botava roupa limpa e engomada, calcava meias, sapatos engraxados, se perfumava, montava a bicicleta e sumia. Todos sabiam onde ele estava indo. Na verdade, todos sabiam o que ele iria encontrar, embora o local variasse, pois variava a pessoa que ele iria visitar. Ele tinha várias namoradas. Certo dia, jogando sinuca, ele me falou de sua vida. Seu nome era José Dubner. Seus pais eram meeiros em terras alheias. Fora criado com dureza. Desde criança tinha que se levantar cedo e ir para a roça. Sua família plantava milho, arroz e feijão. Contou-me que colhiam feijão, punham ao sol para secar. Tudo seco, usavam varas para bater o feijão e peneiras para peneirar e assoprar até que os grãos se separavam limpidamente, constituindo-se no precioso e saboroso alimento. Mas havia dias que não havia serviço. Seu pai então misturava milho com feijão e botava os filhos para separar os grãos por todo o dia, para que não ficassem à toa. Protestos eram reprimidos com varadas de deixar vergão por todo o corpo. O pai, nos fins de semana, ficava nos bares a se embebedar e frequentar as casas de mulheres. Ao chegar em casa, dava surra em todos, começando pela esposa. Mesmo assim, era um homem admirado por saber trabalhar, negociar e ser bom pagador. Por isto a família não tinha moral para reclamar do patriarca. Ao se casar e constituir família, Biné levou consigo a mesma cultura. Com alguns anos de casado, três filhos adolescentes, foi expulso de casa. Não parecia guardar nenhuma magoa da família ou da vida. Embora alguns torçam o nariz para o Biné, eu confesso que gosto dele. É um cara autêntico, fruto de uma criação numa época em que os valores morais eram outros. Para defender meu amigo, vou usar duas afirmações, uma atribuída a Dostoiévski, escritor, filósofo e jornalista do Império Russo, considerado um dos maiores romancistas e pensadores da história, bem como um dos maiores "psicólogos" que já existiram: “Um homem não é obrigado a possuir todas as mulheres do mundo, mas é obrigado a tentar”. A outra é de um filósofo, amigo de infância: “Nenhum homem pode ser condenado por gostar das mulheres”. O gostar das mulheres foi o que levou meu amigo a ser tão odiado por muitos, principalmente os seus familiares. Mas, dirijo a Deus um pedido para que libere o Biné de algum castigo, quando ele se for da terra. Amem!

 

 

 

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