A fuga da Onça Pintada - por João Bezerra da Silva Neto

A FUGA DA ONÇA PINTADA

 

Por: João Bezerra da Silva Neto

      

      A história do Horto de Dois Irmãos, no Recife, desde sua inauguração até a presente data registra várias fugas de animais. Uns foram capturados com vida, outros sumiram no habitat natural, outros foram mal capturados, ou seja: mortos ou feridos pelas armas dos policiais sem treinamento algum para a captura de animais selvagens. Contudo, devo ressaltar a fuga da Onça Pintada, a vedete do Horto e sua captura na década de quarenta do século passado, como sendo a mais extraordinária de que temos notícia. 

      

Nas barbearias, bares e cafés da cidade, as últimas notícias sobre a fuga da Onça juntavam rodas de amigos da alta sociedade: Escritores, Poetas, Jornalistas, Advogados, Juízes, Promotores, Políticos, Professores, Comerciantes, Usineiros, Boêmios e Curiosos, todos proseando em torno do mesmo assunto. As manchetes dos jornais estampavam em suas primeiras páginas curiosas notícias, como:

“A Onça já faz estragos nos arredores de Camaragibe, São Lourenço da Mata e Paulista”.

 

“Animais domésticos aparecem mortos e triturados”.

 

“Criança desaparece misteriosamente lá pelas bandas das estâncias de Aldeia”.

 

“Governador, muito preocupado, já manifesta desejo de enviar tropas para a captura da fera”, etc.

         

O Bar Savoy, localizado na Avenida Guararapes, no Centro do Recife, famoso recanto dos poetas, intelectuais e gente da mais seleta classe social era um dos points dos mais preferidos. Ao redor existiam as melhores barbearias, camisarias e chapelarias da época, além dos famosos engraxates. Às tardinhas, reuniam-se aos bares, tomando vodka, uísque, bons vinhos, acompanhado de bons papos atualizando as notícias da guerra no velho mundo, o desempenho extraordinário de nossos Pracinhas na Itália. Outras notícias eram veiculadas sobre fugas de presos, pequenas rixas entre patrões e empregados e, naturalmente, as fofocas sobre a guerra dos sexos. Contudo, a notícia mais pitoresca era, sem dúvida, a da Fuga da Onça Pintada do Horto de Dois Irmãos.

 

Naquela manhã, reuniu-se no Quartel 13 de Maio um contingente de trinta soldados da cavalaria, sob o comando do Sargento Belém, todos bem equipados para a captura da Onça. A ordem era trazê-la viva!

 

Em seguida partiram enfileirados em direção às matas ao redor do Horto, a mando do Comandante, e a pedido do Governador.                                                                                                                

 

Naquela época existiam nas imediações da Cidade do Recife muitas estâncias. Eram pequenas propriedades pertencentes, a maioria delas, aos comerciantes e endinheirados da época. A Mata Atlântica cobria parte da região Sul, Sudoeste e Norte do Recife, compreendendo as cidades de Jaboatão, Moreno, Vitória, São Lourenço da Mata, Camaragibe, Paulista, Igarassu e Araçoiaba. O Horto de Dois Irmãos situava-se após a Fábrica de Tecidos da Macaxeira, no início da Mata Atlântica por onde a Onça sumiu. Existiam algumas trilhas para o interior da mata por onde os lenhadores adentravam em busca de madeira para o consumo nas residências, caieiras, padarias e caldeiras industriais da época. Foi por essas trilhas que a cavalaria armada adentrou em busca da captura da Onça.

      

Mas, cadê a Onça? Todos se perguntavam! Mesmo porque a cavalaria após uma semana de buscas voltou sem sequer ver o rastro do felino.                                                             

 

As notícias continuavam chegando aos jornais sobre os estragos que o animal feroz estava fazendo, naturalmente, acrescidas dos boatos dos medrosos e gaiatos que se aproveitavam da situação para aumentarem o pânico à população.

 

Ora a Onça era vista ao Norte, ora ao Sul, ora ao Sudeste. Claro que a Onça jamais poderia ser vista ao Leste, a não ser que fosse atraída por uma daquelas sereias na Praia de Boa Viagem!

      

O Governador apreensivo pelas crescentes notícias reunia-se a todo instante com o Comandante em busca de uma solução para o caso, sem que pudesse calar a imprensa, a não ser ordenando ao Comandante enviar urgentemente outras tropas à captura da Onça. Pelo menos dava satisfação ao povo enquanto a notícia circulasse.       

 

Logo, o Comandante cuidou de indicar o Tenente Jordão, homem valente, de origem interiorana, conhecedor dos cipoais e macambiras do Sertão. Para formar sua tropa, convidou o Cabo Zé do Pinho, do alto de Casa Amarela, criado aos arredores daquelas matas; sem dúvida o homem certo para desbravar as trilhas por onde a onça teria adentrado.

O Tenente Jordão formou um contingente de cinqüenta homens, divididos em duas tropas, a fim de entrarem na mata em locais diferentes. Dessa forma poderia fazer um cerco caminhando uma em direção a outra tropa, encurralando o animal. Essa foi a melhor estratégia encontrada para a captura de tão temível animal, calar à imprensa, sossegar o Governador e abrandar o medo de toda a população.

 

Duas semanas se passaram e a cavalaria retornou com algumas notícias do tipo: “Encontramos rastros do animal em Aldeia” “Um soldado avistou um vulto e disparou seu fuzil, acertando o tronco de uma Sucupira” Outro soldado havia encontrado um tatu morto fazia poucos dias, etc. Tudo embromação!

 

As notícias pareciam mentirosas no intuito de darem alguma satisfação ao Governador e ao povo.

 

E a Onça? Cadê a Onça?

 

A população desacreditada já ensaiava piadas e gracejos sobre a eficiência do Comando. O Governador, por sua vez, não sabia mais o que fazer, pois, as notícias já ganhavam outros Estados. Estava de mãos e pés atados, diante da situação. Até que pedisse intervenção ao Comando do Exército e a autorização chegasse, ainda assim, teriam que treinar o efetivo, na captura de animais selvagens de alta periculosidade como os felinos.

 

Não havia tempo a perder; as notícias avolumavam-se nos jornais, a população cada vez mais aflita, principalmente, os habitantes dos povoados e fazendas próximas. Na certa andavam todos armados, vendo à hora de dar de cara com um enorme gato, de pele clara, manchas escuras aveludadas, de grossas patas e garras afiadas, pesando em torno de cento e trinta quilos, ágio, e na certa, faminto. Era apavorante saber que junto às suas propriedades existia um animal de tamanha monta. Além das notícias, verdade ou mentira, aqui para nós! O clima era de grande expectativa, merecendo solução a qualquer preço.

 

Nos dias seguintes houve uma trégua. As notícias aquietaram-se. Tinha-se a impressão de que os soldados haviam matado a onça, enterrando-a na mata mantendo-se em sigilo ou, talvez, para que desse tempo para que uma nova ideia surgisse. E surgiu! Foi nesse espaço de tempo que vislumbrou uma luz no fim do túnel.

   

Um engraxate, conhecido pelo nome de Hemetério da Bomba, ilustre por engraxar as botas dos usineiros, juízes, deputados, jornalistas e até do Governador, resolveu falar:   — “Eu conheço um homem, lá pelas bandas de Maraial, que é capaz de pegar essa Onça, trazê-la viva e entregar ao Governador”

Todos riram da absurda afirmação do moço engraxate.

 

Ele, por sua vez, sentiu-se ofendido com o gracejo, e tornou a firmar, categoricamente, que tal fato poderia acontecer. Perguntaram então o nome do bravo homem. Ele, prontamente, disse: — Chama-se João Caboaba.

Perguntaram: — Você é capaz de gravar a sua afirmação? Hemetério respondeu:

 

— Claro que sim!

 

A gozação foi geral.

    

No dia seguinte, os Jornalistas que presenciaram a conversa solicitaram de Hemetério uma entrevista. Aquela conversa iria para os Jornais se Hemetério tivesse a coragem de reafirmar tudo o que havia falado no dia anterior. Os jornais publicaram a entrevista, sem que Hemetério arredasse o pé no que dissera:                                                                                       

 

“João Caboaba é capaz de trazer a Onça vivinha e entregá-la ao Governador”

 

Daí por diante, as notícias tomaram novo rumo. O governador logo cuidou de falar com Hemetério. Ele não só queria, exigia a presença desse tal Caboaba. Por isso ordenou que Hemetério fosse à procura do homem para fazer-lhe o convite em seu próprio nome e trazê-lo de qualquer jeito.

 

Hemetério embarcou no trem em direção à Maraial. Desceu na Estação de Frei Caneca, caminhando seis quilômetros até Barro Branco. No pé da Serra do Espelho, no município de Maraial, encontrou o Homem roçando mato em seu pequeno sítio. Os dois amigos se abraçaram. Caboaba levou Hemetério para sua casa. Os dois conversaram bastante, atualizando as notícias, até que Caboaba perguntou ao amigo a que veio. Caboaba não acreditava no que o amigo contara. Hemetério contou que o Governador queria que ele se apresentasse para fazer um serviço, sem lhe dar detalhes. Ele não poderia se furtar a um convite tão especial como esse. Afinal, era o Governador quem o estava convidando. Na manhã seguinte os dois partiram cedinho no trem das cinco ao Recife.

   

Chegando à Capital, foram almoçar em um pequeno restaurante. Hemetério pagou o almoço com o dinheiro que o Governador havia dado para as despesas com estadia, enquanto era interrogado a toda hora por Caboaba, sobre o tipo de serviço que o Governador queria contratá-lo. Hemetério, sempre repetia que não sabia.

 

Às quatro da tarde, Caboaba foi levado pelo amigo ao Bar Savoy. Aos pouco foram chegando os ilustres frequentadores, sendo Caboaba apresentado por Hemetério aos amigos. Logo que o viam, perguntavam: — É esse o homem que vai pegar a Onça?! — O Governador está ficando louco! Caboaba não entendia o gracejo. Ninguém continha o riso, quando olhava aquele Caboclo simples, de fala mansa, de um metro e sessenta de altura, de envergadura deformada, mais largo do que alto, usando alpercatas e um velho paletó surrado. Afinal ia falar com o Governador!    

 

Rodas de amigos foram formadas, todos fazendo comentários irônicos sobre o ilustre convidado. A bolsa de apostas já estava alta. — “Quem mais quer apostar comigo”? — “Se esse homem pegar a Onça” eu... Outros diziam em tom de gracejo: — O Governador vai dar de comer a Onça! Outros mais comedidos diziam: — Não iríamos permitir que o Governador enviasse este homem à caça da Onça. - Isto é um crime! Em meio ao alvoroço, eis que surge o carro, um Lincoln, 1936, trazendo o Governador e seu Secretariado. A notícia havia se espalhado rapidamente...

      

Os repórteres, de máquinas em punho, fotografavam Caboaba. A comitiva governamental sentia-se enciumada pelo assédio irrestrito que davam ao homem que iria pegar a Onça. O Governador aproximou-se e foi apresentado. Olhou dos pés a cabeça para aquela figura e disse: — Tenho um trabalhinho para o senhor. —- Pois não, Excelência! — Às suas ordens! Respondeu Caboaba, com voz macia, porém firme. — E de que se trata?  Perguntou ele.

O Governador disse: —

Não sei se o senhor está sabendo, mas existe uma Onça que fugiu do Zoológico de Dois Irmãos, esgueirou-se mata adentro. — Esse animal está me causando muitos problemas. — Dizem que já matou até crianças, além de animais domésticos, e está causando verdadeiro pânico à população periférica da cidade.

— Tô entendendo, Excelência!

 

 

— Mas, o que é que o Senhor quer que eu faça?

— Bem, Seu João Caboaba, o seu amigo Hemetério falou que o senhor é capaz de pegar a Onça e trazê-la viva. — O senhor é capaz disso?                                                                                                                                   

                                                                                                                       

— Ah! Caboaba disse baixinho, então era isso! — Bom, Excelência, vai dá um trabalhinho!  — Num sabe?

 

O Governador, então perguntou: — Quais são as armas que o senhor trouxe para pegar a Onça?

 

Respondeu Caboaba:

 

— Eu trouxe minha combré e meu chucho, sabe?

 

Para quem não sabe, combré é uma pistola calibre vinte e dois, de dois canos, mais conhecida como, “dois tiros e uma carreira”. “Chucho” é um punhal de dois gumes, de ponta afiada.

 

Ele acrescentou, ainda: — Vossa Excelência mande comprar, também, uma peça de corda. —Não precisa ser muito grossa não; dois quilos de jabá, um quilo de farinha, um quilo de açúcar, meio quilo de sal e um pacote de café. Queria também, se possível, um pedaço de fumo de rolo, que é pra eu dar umas baforadas no meu cachimbo, por causa das muriçocas, num sabe?

 

Com essa, até o Governador sorriu!

 

As pessoas ao redor, então, caíram na gargalhada, sem que deixasse o Governador prosseguir, quando um grupo dos moderados se aproximou, pedindo: — Silêncio! — Silêncio!  Embora os presentes não contivessem logo seus risos, o silêncio foi feito. O grupo dos moderados chamou o Governador à parte, e, em voz baixa, disse: — Governador, Vossa Excelência vai mesmo mandar esse homem atrás da Onça? — E se a Onça pegar essa criatura, o que será do seu governo? Caboaba olhava desconfiado aquele aparte, mantendo-se sereno e decidido. O Governador ficou pensativo por uns instantes e, voltando-se para a multidão, disse: — Providenciem o que esse homem pede. — Ele irá atrás da Onça. — Também, arranjem uma pousada para ele, e mantenham-me informado. Designou dois Secretários para cuidar de tudo, entrou no Lincoln, e partiu para o Quartel 13 de Maio.

 

Lá chegando, o Governador chamou o Comandante, e disse-lhe: — Encontrei o Homem. — Que homem? Perguntou o Comandante. — O Homem que vai pegar a Onça. O Comandante fez um ar de riso e acrescentou: —- Cinquenta dos meus melhores homens, não encontraram sequer vestígio da Onça! — Como Vossa Excelência vem com essa, de que um homem só é capaz de pegá-la? O Governador, respondeu: — Não só pegar. — Ele vai trazê-la viva! —- Vossa Excelência está delirando.  — Disse o Comandante.

       

No dia seguinte, foi providenciado tudo. A Cavalaria escoltava Caboaba até a trilha, lá pelas bandas do Curado, em seguida voltando. O Homem embrenhou-se nas matas.

          

Nos últimos dias, as notícias que eram por demais aterrorizantes, no sumiço de bezerros e cabritos haviam dado uma trégua, embora, ninguém saia à noite; sequer saiam em frente de suas casas. O desespero era geral.

 

Com a chegada de Caboaba, o homem que iria pegar a onça, as opiniões estavam divididas. Uns ignoravam a idéia, e até achavam que o Governador havia se precipitado em mandar um homem daqueles a procura da Onça. Outros fingiam acreditar levados pela confiança que depositavam no Governador. Para a maioria, entretanto, aquilo era mais um motivo para brincadeiras e piadas. Até os violeiros, aproveitaram o momento para cantarem emboladas e fazerem rimas engraçadas, tendo como mote “A FUGA DA ONÇA PINTADA E O HOMEM QUE SERVIU DE ÍSCA”. 

      

O Governador, vendo os dias se passarem sem notícia de Caboaba, estava com os nervos à flor da pele. A situação havia se complicado. Além da Onça, o Governador já queria mandar procurar Caboaba. E não deu outra. Chamou o Comandante e disse: - Gostaria que o Senhor Mandasse uns homens a procura do Homem, pois já faz dez dias que ele entrou na mata, em busca do animal, e até agora, não se sabe do seu paradeiro.                                                                                             

                                                                            

O Comandante sorrindo disse: — “Por essas alturas a Onça já palitou os dentes, Governador”!  O Governador disse: — Comandante, não é brincadeira não! — Nem sei onde fui me meter, confiar no Hemetério! — Estou há noites sem dormir, sem saber notícias daquele filho da égua! Dizia o Governador, referindo-se a Caboaba.

     

Na manhã seguinte, a Cavalaria partiu a procura de Caboaba. Passaram uns três dias procurando o Homem. Nem sinal! Achavam que a Onça o teria comido. Ao retornarem, o Governador só faltou dar um ataque cardíaco. Para consolação, as notícias de desaparecimento de animais domésticos não chegavam mais. A atenção voltou-se para Caboaba, que não dava notícia, principalmente, depois que a Cavalaria retornou sem o encontrar. Alguns diziam que a Onça estava fazendo a digestão, referindo-se ao homem que foi captura-la já fazia três semanas.

    

O dia seguinte era Feriado Nacional, dia da Independência. A Cavalaria estava ensaiando o desfile comemorativo da Pátria, quando foi surpreendida pelo Governador, que chegava conduzido pelo seu Lincoln, ladeado pelos Secretários, desceu do carro e disse:  — Comandante, mande outra guarnição amanhã à procura do Homem. O Comandante respondeu. — “Excelência, amanhã é Sete de Setembro, Vossa Excelência esqueceu”? — Claro que não!

— Mas, o Senhor pode mandar pelo menos uns dez homens, para que eu possa dar satisfação à Imprensa! — O Senhor sabe como é o povo! — As notícias vindas de outros Estados já não são mais da Onça, e sim, do Homem que foi pegá-la sendo comido por ela. Enfim, o Comandante foi convencido a mandar, mais uma vez, dez homens de sua Cavalaria, a procura de Caboaba.

 

O dia amanhecera festivo. Às seis da manhã, a população da Cidade acordava com a salva de canhões. As bandeirolas fremiam nas praças, principalmente, no Parque 13 de Maio, aonde iriam se reunir, logo mais, as Três Forças, o Governador e sua Comitiva, as Representações Colegiais e o Povo. Era um motivo para o Governador relaxar e esquecer por alguns instantes “A Saga da Onça Pintada e seu Caçador”. Enquanto isso, os homens da Cavalaria seguiam trilha adentro a procura do Homem, lá pelas bandas do Curado.

Ainda cedinho, o Sargento Belém, que caminhava na frente, avistou um vulto distante, ao longo da estrada. Deu com a mão parando a Cavalaria. Era como se um adulto e uma criança viessem em sua direção, sem que pudesse distinguir, precisamente, por causa da distância. Imediatamente, chamou o Cabo Zé do Pinho, para observar em seu binóculo. Aproximando a imagem, viu um homem tangendo um animal, fato comum naquela região. Ignorou.  Porém, os cavalos, a essa altura, inclinaram suas orelhas para cima, soltando pequenos relinchos, sentindo algo estranho aproximar-se, sem obedecerem às rédeas, mesmo sendo riscados pelas esporas de seus cavaleiros, para adiantarem os paços. Os cavalos queriam voltar apesar da habilidade de seus cavaleiros e do treino recebido diariamente por eles. O pressentimento se fez realidade, quando chegaram mais próximo. Os cavalos, um a um, levantando as patas dianteiras, soltaram um relincho de medo, quebraram de lado, retornando em disparada, sem que os Soldados pudessem domá-los. Tanto o Sargento Belém, quanto o Cabo Zé do Pinho, viram a olho nu uma Onça Pintada, laçada ao pescoço, sendo tangida por um homem em direção à Cidade. Caboaba havia colocado a Onça na frente, como quem segurava às rédeas de um cavalo, com uma vareta de galho de mato na mão guiava a Onça pela estrada, conversando com ela. “Vamos meu bichinho, o Governador quer lhe ver”.                                                                                                                                 

À medida que se aproximavam do Centro da Cidade, um cortejo era formado pelos habitantes dos bairros e chácaras vizinhas, engrossando cada vez mais a multidão, admirados com aquela façanha. O Homem Valente tangia a Onça com uma vareta de mato, como quem tange uma cabra! A Onça caminhava tranqüila, toda suada, com a língua de fora. Aqui, acolá, Caboaba dizia: “vamos meu bichinho, o Governador está a nossa espera”! Dava duas lapadas no traseiro da Onça, e seguiam viagem.

   

Enquanto os policiais já haviam chegado ao Comando os cavalos permaneciam suados, ofegantes. O percurso foi feito em tempo recorde por aqueles animais que correram aproximadamente quinze quilômetros sem parar.   

O Sargento Belém, deu a notícia ao Comandante, que se encontrava no palanque, enquanto o Governador fazia um longo discurso para início das festividades. Comandante, disse ele ao seu ouvido: “O Homem está chegando, tangendo a Onça como que fosse um Cabritinho”! Não diga?! Respondeu o Comandante.

 

O discurso era longo, o Comandante daí para frente ficou inquieto, andando pra lá e pra cá, aflito e pensativo. Meu Deus! Quando o Governador souber?!... Pensava ele.

     

O Governador continuava a discursar e o Comandante não podia interromper, quando, de repente, a multidão começou a correr, fazendo uma verdadeira algazarra. Até os Soldados e Colegiais desarrumaram as filas, apavorados, abrindo ala a fim de passar aquele enorme animal, laçado ao pescoço por uma corda, sendo segurada por Caboaba. O Governador, pasmo, parou o discurso e, de olhos arregalados, foi acudido pelo Comandante, num princípio de desmaio, sendo acomodado numa cadeira até que se refizesse do susto. Ao pé do palanque, Caboaba ordenou, com voz mansa de Caboclo: “Deite aí, meu bichinho”! “Eu vou subir pra falar com o Governador”! A fera deitou, exausta, ofegante pelo cansaço, com a língua de fora.

Os Repórteres chegavam. Daí para frente foi só comemoração. Todos, admirados, cercavam o herói, fotografando-o ao lado do Governador e da Onça. O povo a certa distância observava com certo receio de que aquele animal se soltasse da corda. Porém, o animal estava domado pelo herói. Em seguida, a Onça foi transportada pelo Corpo de Bombeiros para o Zoológico de Dois Irmãos, e Caboaba foi levado ao palácio do Governador para receber a Comenda de Herói.

   

  Numa das entrevistas, um repórter perguntou: — Quando e como o Senhor, finalmente, pegou essa Onça?  Caboaba respondeu: — “Bom”...! Chegando ao meio da Mata, bem pertinho de uma fonte de água, armei uma Espera a uns quatro metros do chão. — Fiz café, assei um pedaço de jabá, comi com farofa. — Em seguida, subi na Espera, acendi o cachimbo e fiquei ali, dando umas baforadas. — De repente a Onça apareceu atraída pelo cheiro da carne. — Já estava com o laço preparado. — Ela queria me pegar, dando pulos pra ver se me alcançava. — Joguei o laço no seu pescoço, amarrei forte num tronco de árvore e fui dormir. — Na manhã seguinte, comecei a amansá-la, amansá-la, até que ficasse boa de trazer. Os repórteres não contiveram o riso pela expressão ingênua daquele homem de fala mansa e extrema coragem e simplicidade.

   

 Assim, foi o relato da história da FUGA DA ONÇA PINTADA, que ficou no imaginário do povo da época sobre as fugas de animais selvagens do Horto de Dois Irmãos.                 

                                                                     

                                                              Fim

 

OBS: Os nomes de pessoas desse relato são fictícios, menos o do herói, João Caboaba, (meu avô paterno).

 

 

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